Imigração na França: da retórica xenófoba à realidade dos números

A França não é o primeiro destino dos imigrantes na Europa, mas o quinto, atrás do Reino Unido, Itália, Espanha e Alemanha

Na França, a instrumentalização da questão migratória tem sido usada, historicamente, pela extrema-direita. Agora, a direita tradicional rompeu a barreira republicana e não hesita em retomar essa temática e estigmatizar os imigrantes. Diante desse discurso, de convicção ou circunstância, destinado a apontar um bode expiatório para a crise econômica e social que atinge a Europa, torna-se interessante comparar a retórica com a realidade dos números.

Na França, em plena campanha eleitoral para as eleições parlamentares dos dias 10 e 17 de junho de 2012, a direita e a extrema-direita concentraram seu discurso no tema da imigração e do medo do estrangeiro. Marine Le Pen, líder da Frente Nacional (extrema-direita), e a União por um Movimento Popular (UMP – direita conservadora) são unânimes neste ponto: o maior problema da França é o imigrante, responsável pelas dificuldades econômicas e sociais do país, ou seja, o déficit público e o desemprego.

Wikicommons

Em primeiro lugar, ao contrário do que afirma Marine Le Pen, a França não é o primeiro destino dos imigrantes na Europa, mas o quinto

Como de hábito, Le Pen acusa a imigração, avaliada oficialmente em 200 mil entradas por ano, de ser a responsável por todos os males: “A imigração representa um custo significativo para a comunidade nacional”1.  Comprometeu-se, então, a reduzí-la em 95%, isto é, limitá-la a 10 mil entradas anuais2.

Durante a campanha presidencial, o candidato da UMP, Nicolas Sarkozy, cujo assessor privilegiado Patrick Buisson é um desertor da extrema-direita, não hesitou em retomar o discurso da extrema-direita e denunciar a invasão migratória proveniente da África: “Se as fronteiras da Europa não forem protegidas de uma imigração desencontrolada, de uma concorrência desleal e do dumping, não mais haverá um modelo francês, nem mesmo uma civilização europeia. Se construímos a Europa foi para nos proteger, não para deixar que nossa identidade e nossa civilização fossem destruídas”3.

Para a UMP, os problemas da França podem ser explicados pela presença de uma população estrangeira excessivamente numerosa. O presidente candidato Sarkozy enfatizou: “Estamos sofrendo as consequências de 50 anos de imigração”. 4Segundo a UMP, que comprometeu-se a cortar pela metade o número da imigração legal na França5, “há imigrantes demais na França”6.

Os números da imigração

Desse modo, segundo os defensores da “identidade nacional”, o desemprego e o déficit público podem ser atribuídos ao elevado número de imigrantes na França. Devemos agora examinar os números da imigração legal e confrontá-los com a validade dessa alegação.

Em primeiro lugar, ao contrário do que afirma Marine Le Pen, a França não é o primeiro destino dos imigrantes na Europa, mas o quinto, atrás do Reino Unido, Itália, Espanha e Alemanha7.

Além disso, a imigração europeia, o reagrupamento familiar e os estudantes estrangeiros representam 80% da imigração total na França. Portanto, seria impossível para o governo francês agir sobre os dois primeiros grupos sem violar as convenções internacionais e, em particular, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos no que diz respeito ao reagrupamento familiar. A única margem de manobra refere-se ao número de estudantes. Mas fica difícil imaginar que a nação francesa feche as suas portas para esta categoria e se prive do que constitui a sua fama internacional, ou seja, a excelência de suas universidades. De fato, 41% dos estudantes de doutorado na França são estrangeiros8.

De acordo com os números do Departamento Francês para Imigração e Integração, entre os 203.017 estrangeiros (de fora da União Europeia) recebidos em 2010, encontravam-se 84.126 pessoas implicadas na reunificação familiar (41,4%), 65.842 estudantes (32,4%) e 31.152 imigrantes econômicos. Constata-se, portanto, que a imigração econômica ocupa somente o terceiro lugar9.

Na verdade, a imigração é uma necessidade econômica para a França. A realidade das estatísticas contradiz as alegações relativas ao impacto negativo dos fluxos migratórios sobre a economia francesa (desemprego e déficit). Um estudo do Ministério de Assuntos Sociais relacionado ao custo da imigração sobre a economia nacional revela que os imigrantes, longe de sobrecarregar o orçamento dos benefícios sociais, atraem anualmente para as finanças públicas a soma de 12,4 bilhões de euros, contribuindo assim para o equilíbrio do orçamento nacional e para o pagamento das pensões.

Eles recebem do governo 47,9 bilhões de euros (aposentadorias, auxílio-moradia, auxílio-desemprego, renda mínima, suporte à família, saúde e educação) e fornecem 60,3 bilhões (encargos sociais, impostos e taxas sobre o consumo, impostos sobre a renda, impostos sobre o patrimônio, impostos locais, contribuição para amortização da dívida social – CRDS e contribuição social generalizada – CSG). Este saldo, amplamente positivo, despedaça o argumento do FN e da UMP sobre a imigração.

Os professores Xavier Chojnicki e Lionel Ragot, autores do estudo, revelam-se inclusive favoráveis a uma “política de imigração mais ambiciosa”, que “contribuiria para uma redução do encargo fiscal do envelhecimento populacional”.

A imigração tem impacto sobre o financiamento da proteção social na França. Este é geralmente positivo. […] A imigração, conforme projetam as estimativas oficiais, reduz o encargo fiscal do envelhecimento populacional. Sem ela, o gasto com a proteção social […] aumentaria 2 pontos percentuais no PIB, passando de 3% para 5%. 10

Ainda, segundo esse estudo, é preciso somar ao saldo positivo de 12 bilhões de euros anuais outros aspectos não-monetários de grande importância econômica e social. Os 5,3 milhões de moradores estrangeiros estabelecidos na França (11% da população) ocupam, em sua imensa maioria, empregos que os franceses rejeitam. Além disso, 90% das estradas foram construídas e são mantidas com mão-de-obra estrangeira. Por fim, os preços de consumo dos produtos agrícolas, por exemplo, seriam muito mais altos sem os imigrantes, pois eles aceitam receber, muitas vezes, um salário menor do que dos cidadãos franceses.

Da mesma forma, na área da saúde, mais da metade dos médicos dos hospitais presentes nos subúrbios franceses são de origem estrangeira. O mesmo acontece em outros setores. Cerca de 42% dos funcionários das empresas de limpeza provém da imigração e 60% das oficinas mecânicas da região de Paris pertencem a empresários estrangeiros 11.

O Comitê de Aconselhamento de Pensões indica, em contrapartida, que “a entrada de 50 mil novos imigrantes por ano permitiria reduzir o déficit das pensões em 0,5 pontos do PIB” 12.  A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que reúne os 34 países mais desenvolvidos, estima, por sua vez, que os imigrantes desempenham um papel decisivo no crescimento econômico a longo prazo” 13.
 

Leia mais

Portanto, a retórica xenófoba que estigmatiza as populações originárias de diversas etnias do planeta não sobrevive nem um instante à análise científica. A imigração, longe de ser um problema para a sociedade francesa, é ao contrário uma necessidade econômica vital.

A Frente de Esquerda contra a Frente Nacional

A Frente de Esquerda (FDG), que no intervalo de três anos converte-se na quarta força política do país, denuncia abertamente a estigmatização das populações imigrantes e combate a FN e a UMP neste campo. Jean-Luc Mélenchon, porta-voz da FDG, condenou as posições da direita e da extrema-direita: “O problema da França não é o imigrante, mas o banqueiro. Não é o imigrante que fecha a fábrica. Não é o imigrante que condena os outros à pobreza. É o capital financeiro e seus cães de guarda da Frente Nacional”14.


“O problema da França não é o imigrante, mas o banqueiro. Não é o imigrante que fecha a fábrica », disse Jean-Luc Mélenchon

Em seu informe anual, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, órgão do Conselho da Europa, denunciou a banalização do discurso hostil contra os imigrantes por parte dos políticos. “A redução dos benefícios sociais, a diminuição das ofertas de emprego e o consequente aumento da intolerância em relação aos imigrantes e às minorias históricas” são “tendências preocupantes” 15.

Em vez de abordar as questões fundamentais da distribuição de riquezas e a redução das desigualdades econômicas e sociais, a extrema-direita francesa – agora seguida pela direita – prefere fomentar o ódio ao estrangeiro. Baseando-se em princípios racistas, estigmatizam uma população, particularmente a originária do norte da África e da África subsaariana, e a responsabilizam – sem motivos – pelos danos que a aplicação dogmática da doutrina ultraliberal causou na Europa.

1. Front national, “Immigration : stopper l’immigration, renforcer l’identité française”. http://www.frontnational.com/le-projet-de-marine-le-pen/autorite-de-letat/immigration/ (site acessado em 1º de junho de 2012).
2. Samuel Laurent, “Sarkozy-Le Pen: ce que rapproche leurs programmes, ce qui les separe”, Le Monde, 26 de abril de 2012.
3. Nicolas Sarkozy, “Discours de Nicolas Sarkozy, Place de la Concorde”, 15 de abril de 2012. http://www.lafranceforte.fr/medias/presse/discours-de-nicolas-sarkozy-place-de-la-concorde-dimanche-15-avril-2012 (site acessado em 2 de junho de 2012).
4. Nicolas Sarkozy, “Discours de Grenoble”, 30 de julho de 2010. http://videos.tf1.fr/infos/2010/le-discours-de-nicolas-sarkozy-a-grenoble-dans-son-integralite-5953237.html (site acessado em 2 de  junho de 2012).
5. Le Point, “Sarkozy répète qu’il y a ‘trop’ d’immigrés en France”, 1º de maio de 2012.
6. Le Monde, “‘Il y a trop d’immigrés en France’, a déclaré Sarkozy sur RMC/BFMTV”, 1º de maio de 2012.
7. Cédric Mathiot, “Non, la France n’est pas le pays d’Europe qui accueille le plus d’immigration”, Libération, 28 de março de 2012.
8. Le Monde, “Les étudiants étrangers constituent 41% des doctorants en France”, 31 de maio de 2012.
9. Departamento Francês para Imigração e Integração, “Rapport d’activité 2010”, junho de 2011, p. 50. http://www.ofii.fr/IMG/pdf/OFII-RapportActivites_2010-Client-150DPI-FeuilleAF.pdf (site acessado em 2 de junho de 2012).
10. Xavier Chojnicki e Lionel Ragot, “Immigration, vieillissement démographique et financement de la protection sociale : une évaluation par l’équilibre général calculable appliqué à la France”, Centre d’études prospectives et d’informations internationales, maio de 2011, n° 2011-13, p. 41. http://www.cepii.fr/francgraph/doctravail/pdf/2011/dt2011-13.pdf (site acessado em 2 de  junho de 2012).
11. Ibid.
12. Ibid.
13. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, “Perspectives des migrations internationales”, 2010. http://www.oecd.org/document/42/0,3746,fr_2649_201185_45626986_1_1_1_1,00.html (site acessado em 2 de junho de 2012).
14. Jean-Luc Mélenchon, “Discours de Strasbourg”, 22 de maio de 2012. http://www.dailymotion.com/video/xr0h1l_j-l-melenchon-discours-de-strasbourg_news (site acessado em 2 junho de 2012).
15. Le Monde, “Le Conseil de l’Europe s’alarme de la montée des discours xénophobes”, 3 de maio de 2012.

Salim Lamrani é Doutor em Estudos Ibéricos e Latinoamericanos pela Univerdade Paris Sorbonne-Paris IV, professor encarregado de cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu libro mais recente é Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba (“Estado de sítio. As sanções econômicas dos Estados Unidos contra Cuba”, em tradução livre), Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade.

Contato: [email protected]

Página no Facebook: https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel



Articles Par : Salim Lamrani

A propos :

Docteur ès Etudes Ibériques et Latino-américaines de l’Université Paris IV-Sorbonne, Salim Lamrani est Maître de conférences à l’Université de La Réunion, et journaliste, spécialiste des relations entre Cuba et les Etats-Unis. Son nouvel ouvrage s’intitule Fidel Castro, héros des déshérités, Paris, Editions Estrella, 2016. Préface d’Ignacio Ramonet. Contact : [email protected] ; [email protected] Page Facebook : https://www.facebook.com/SalimLamraniOfficiel

Avis de non-responsabilité : Les opinions exprimées dans cet article n'engagent que le ou les auteurs. Le Centre de recherche sur la mondialisation se dégage de toute responsabilité concernant le contenu de cet article et ne sera pas tenu responsable pour des erreurs ou informations incorrectes ou inexactes.

Le Centre de recherche sur la mondialisation (CRM) accorde la permission de reproduire la version intégrale ou des extraits d'articles du site Mondialisation.ca sur des sites de médias alternatifs. La source de l'article, l'adresse url ainsi qu'un hyperlien vers l'article original du CRM doivent être indiqués. Une note de droit d'auteur (copyright) doit également être indiquée.

Pour publier des articles de Mondialisation.ca en format papier ou autre, y compris les sites Internet commerciaux, contactez: [email protected]

Mondialisation.ca contient du matériel protégé par le droit d'auteur, dont le détenteur n'a pas toujours autorisé l’utilisation. Nous mettons ce matériel à la disposition de nos lecteurs en vertu du principe "d'utilisation équitable", dans le but d'améliorer la compréhension des enjeux politiques, économiques et sociaux. Tout le matériel mis en ligne sur ce site est à but non lucratif. Il est mis à la disposition de tous ceux qui s'y intéressent dans le but de faire de la recherche ainsi qu'à des fins éducatives. Si vous désirez utiliser du matériel protégé par le droit d'auteur pour des raisons autres que "l'utilisation équitable", vous devez demander la permission au détenteur du droit d'auteur.

Contact média: [email protected]